quarta-feira, 10 de junho de 2009

CRACK

CRACK

O crack é uma droga ilegal, obtida a partir da merla - uma variação da pasta de coca, obtida como subproduto do processamento das folhas de coca, para obtenção de cocaína.

A merla é misturada ao bicarbonato de sódio e água. O bicarbonato de sódio faz com que a mistura tenha um baixo ponto de fusão (passagem de sólido para líquido) e ebulição (uma forma de passagem de líquido para gasoso), tornando possível a queima da droga com o auxílio de cinzas, que são colocadas em um cachimbo, junto ao crack.

O uso de cocaína por via intravenosa foi quase extinto no Brasil, pois foi substituído pelo crack, que provoca efeito semelhante e é tão potente quanto a cocaína injetada. A forma de uso do crack também favoreceu sua disseminação, já que não necessita de seringa - bastando um cachimbo, muitas vezes improvisado.

O crack eleva a temperatura corporal, podendo levar o usuário a um acidente vascular cerebral. A droga também causa destruição de neurônios e provoca no dependente a degeneração dos músculos do corpo (rabdomiólise), o que dá aquela aparência esquelética ao indivíduo: ossos da face salientes, braços e pernas ficam finos e costelas aparentes. O usuário de crack torna-se completamente dependente da droga em pouco tempo. Normalmente o viciado, após algum tempo de uso da droga, continua a consumi-la apenas para fugir aos desconfortos da síndrome de abstinência - depressão, ansiedade e agressividade - comuns a outras drogas estimulantes.

O uso do crack - e sua potente dependência - frequentemente leva o usuário à prática de pequenos delitos, para obter a droga. Os pequenos furtos de dinheiro e de objetos, sobretudo eletrodomésticos, muitas vezes começam em casa. O dependente dificilmente consegue manter uma rotina de trabalho ou de estudos e passa a viver basicamente em busca da droga, não medindo esforços para consegui-la.

Estudos relacionam a entrada do crack como droga circulante em São Paulo ao aumento da criminalidade e da prostituição entre os jovens, com o fim de financiar o vício. Na periferia da cidade de São Paulo, jovens prostitutas viciadas em crack são o nicho de maior crescimento da AIDS no Brasil.

O efeito social do uso do crack é o mais devastador, entre as drogas normalmente encontradas no Brasil.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Droga CONCEITO:

Droga CONCEITO:

Droga é toda e qualquer substância, natural ou sintética que introduzida no organismo modifica suas funções. As drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais. Exemplo a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC tetrahidrocanabiol (da cannabis). As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso técnicas especiais. O termo droga, presta-se a várias interpretações, mas ao senso comum é uma substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modificando-lhe as funções, as sensações, o humor e o comportamento. Do ponto de vista jurídico, segundo prescreve o parágrafo único do art. 1.º da Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas): "Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União". Isto significa dizer que as normas penais que tratam do usuário, do dependente e do traficante são consideradas normas penais em branco. Atualmente, no Brasil, são consideradas drogas todos os produtos e substâncias listados na Portaria n.º SVS/MS 344/98.
As drogas estão classificadas em três categorias: as estimulantes, os depressores e os perturbadores das atividades mentais. O termo droga envolve os analgésicos, estimulantes, alucinógenos, tranquilizantes e barbitúricos, além do álcool e substâncias voláteis. As psicotrópicas, são as drogas que tem tropismo e afetam o Sistema Nervoso Central, modificando as atividades psíquicas e o comportamento. Essas drogas podem ser absorvidas de várias formas: por injecção, por inalação, via oral ou injeção intravenosa
É comum distinguir o abuso do uso de drogas de seu consumo normal. Esta classificação refere-se à quantidade e periodicidade em que ela é usada. Outra classificação, se refere ao uso das drogas em desvio de seu uso habitual, como por exemplo o uso de cola, gasolina, benzina, éter, lóló, dentre outras substâncias químicas. Os usuários podem ser classificados em: experimentador, usuário ocasional, habitual e dependente.
Motivos associados ao uso
Os motivos que normalmente levam alguém a provar ou a usar ocasionalmente drogas incluem:
• Recreação;
• Problemas pessoais e sociais;
• Influência de amigos, traficantes assim como da sociedade e publicidade de fabricantes de drogas lícitas;
• Sensação imediata de prazer que produzem;
• A facilidade de acesso e obtenção;
• Desejo ou impressão de que elas podem resolver todos os problemas, ou aliviar as ansiedades;
• Fuga;
• Estimular;
• Acalmar;
• Ficar acordado ou dormir profundamente;
• Emagrecer ou engordar;
• Esquecer ou memorizar;
• Fugir ou enfrentar;
• Inebriar;
• Inspirar;
• Fortalecer;
• Aliviar dores, tensões, angústias, depressões;
• Aguentar situações difíceis, privações e carências;
• Encontrar novas sensações, novas satisfações;
• Força do hábito;
• Ritual;
• Autoconhecimento, principalmente pelos psiconautas
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Merla

Merla
Merla é uma variação da pasta de coca, da qual se originam também a cocaína e o crack.
A merla é um produto grosseiro, obtido das primeiras fases de separação da cocaína, a partir do processamento das folhas da planta. Tem uma consistência pastosa, cheiro forte e apresenta uma tonalidade que varia do amarelado até o marrom, a depender do “fabricante”. Embora menos potente, tem efeitos destrutivos parecidos ou até maiores que os do crack. Sua capacidade de causar dependência física e psicológica é muito grande. A abstinência[1] costuma ser extremamente dificultosa. A merla pode ser fumada sozinha ou adicionada a cigarros de tabaco ou de maconha. Em sua formulação, é adicionada uma quantidade significativa de solventes, como o ácido sulfúrico(ácido de bateria), o querosene, a cal virgem, etc. Seu efeito começa muito rapidamente devido à forma de administração e à capacidade do pulmão de absorver a droga. Com o uso continuado, os efeitos são: queda dos dentes, depressão, fibrose, alucinações, dificuldade de respiração, coma e óbito.
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Infância, adolescência e Uso de Cocaína/crack

Infância, adolescência e Uso de Cocaína/crack
Vilma Aparecida da Silva,
Marina Coelho dos Santos, Marco Bessa

1. Introdução
Infância e adolescência são períodos da vida caracterizados pela maior vulnerabilidade ao ambiente, o que se expressa, no caso deste ambiente ser aversivo, em prejuízo do desenvolvimento psicosocial. Do ponto de vista biológico ocorre nesta época refinamento de conexões sinápticas, amadurecimento de regiões relacionadas à lingüística e o desenvolvimento de sistemas de neurotransmissores relacionados à estimulação, inibição e à resposta ao estresse (22). Estes fatores biológicos, aliados à necessidade de inserção social, formação da personalidade, preparação para papéis adultos e aprendizado social que ocorrem criticamente neste período, aumentam a vulnerabilidade.
Agressores deste desenvolvimento são identificados na literatura, estando entre os mais comuns os transtornos psiquiátricos e o consumo de drogas psicoativas. Favorecendo a iniciação precoce ao consumo encontram-se os fatores de risco ambientais entre os quais se destacam, entre outros, as expectativas favoráveis à droga, o consumo de drogas pelos pais, a saída precoce da escola (18), e também características individuais. Dentre estas citamos: a deficiência para controlar o comportamento e regular emoções relacionadas com demandas sociais, impulsividade, agressão reativa, busca de sensações e tendência excessiva comportamentos de correr riscos, colocando-se em situações de perigo e início de atividade sexual precoce (4). A predisposição genética à progressão do uso para a dependência tem sido documentada (15).

2. Cocaína/Crack
Das várias substâncias que podem ser experimentadas durante este período da vida, a cocaína, especialmente em uma de suas formas fumadas, o crack, gera grande preocupação dada a rapidez com que pode levar a padrões comportamentais que já caracterizam dependência. Estudo realizado com jovens de classe média americana assistidos em clínicas ambulatoriais documentou a evolução do consumo: de 464 adolescentes que faziam uso abusivo de drogas, 28% fumaram crack. ( 20). Destes, 67% experimentaram (1 a 9 vezes), 18% fumaram mais de 50 vezes (usuários intensos). Destes últimos, 60% progrediram da iniciação para o uso semanal em menos de 3 meses. Observação importante foi que 50% dos que experimentaram e todos os que usaram de maneira intensa relataram preocupação com pensamentos sobre o crack, rápida perda da habilidade de modular seu uso da droga e rápido desenvolvimento de tolerância. Associados com o aumento do uso de crack estavam sentimentos de suspeição, desconfiança e humor depressivo. O mesmo estudo relata que aqueles que apenas cheiraram cocaína não experimentaram convulsões, mas estas ocorreram em 1% dos que experimentaram e 9% dos que fumaram pelo menos 10 vezes. Os autores concluem que o uso de crack por adolescentes de classe média é associado com dependência rápida e sérias complicações médicas e comportamentais.
A cocaína, estimulante do sistema nervoso central, pode ao menos em teoria derivada de estudos animais ser percebida pelo adolescente como mais reforçadora dada a hiperatividade do sistema dopaminérgico nesta época (6). A cocaína produz euforia por bloqueio da recaptação de dopamina e este é seu primeiro efeito. Na seqüência do uso relacionamos abaixo os efeitos da droga:

A) Euforia: efeitos estimulantes, ativação psicomotora, aumento da energia, excitação sexual, levando a comportamentos sexuais de risco. Dura poucos minutos, mas leva a uma compulsão originada do prazer reforçador.

B) Desequilíbrio hedônico: acabando o estoque de cocaína, o paciente fica deprimido, irritável e paranóide. Podem ser necessários vários dias para a recuperação. Neste período o indivíduo sofre as conseqüências do fato de que a cocaína eleva o limiar para eventos reforçadores. Isso ocorreria por indução de hipoatividade dopaminérgica.

C) Perda do Controle: no paciente dependente de cocaína já foram descritas importantes alterações em neuroimagem do córtex pré-frontal, e em animais, estudos sugeriram que estas seriam produzidas pela cocaína. Esta é uma região de neurotransmissão dopaminérgica e glutamatérgica fortemente associada à função cognitiva e, portanto ao aprendizado.

3. O fenômeno do “craving”
De grande importância, de mais difícil compreensão, e constitui o grande desafio no tratamento da dependência.
Representa o desejo intenso, acompanhado se sensações somáticas e comportamento motor, que determina a recaída (traduzido muitas vezes por fissura).
A vulnerabilidade crônica à recaída é um dos maiores desafios no tratamento do dependente químico. Assim, grande parte do foco da pesquisa sobre dependência tem sido direcionada para os mecanismos da recaída. Os dois fatores precipitadores mais importantes na recaída incluem a fissura pela droga, “craving”, e o estresse, que se interrelacionam.
O fenômeno do “craving” é de difícil definição, mas pode ser considerado como uma força propulsora direcionada e urgente no sentido do uso da droga. Este fenômeno integra o próprio conceito de dependência. Das pesquisas sobre o assunto, sabe-se que o estresse contribui para o aparecimento do “craving” e há evidências de superposição entre mecanismos neurais e neuroendócrinos implicados no desejo pela droga evocado por pistas associadas a drogas e estresse.
A implicação destes fenômenos para a criança e o adolescente pode ser compreendida dentro da própria neurobiologia da dependência (21) e dentro do desenvolvimento Psicossocial, que será alterado por desviar o aprendizado de comportamentos necessários para o crescimento para o do consumo da droga.

4. Conseqüências do uso
Estudos em animais também relacionam a exposição à cocaína durante a adolescência ao aumento da agressividade (10). Em seres humanos o aumento da probabilidade de comportamentos violentos após a exposição à cocaína é relatado por Araújo Ribeiro (1) que encontrou em seu estudo um excesso de mortalidade de 21,6 óbitos/1000 habitantes em usuários de crack. O autor discute a violência e criminalidade associada ao crack enquanto fenômeno social: a venda relacionada à competitividade entre grupos, comandados por adolescentes marginalizados e excluídos do mercado de trabalho, naturalmente mais imaturos e impulsivos e muitas vezes dependentes da substância. São freqüentes os comportamentos violentos associados à precariedade social.
No adolescente a história de uso de droga é mais curta do que no adulto e desta forma, a procura por serviços de saúde é mais relacionada com traumas ou overdose, mais freqüente neste grupo pela inexperiência. Nestes serviços, quando o adolescente tem seu uso detectado, o próximo passo é determinar o estágio do uso e a prontidão para a mudança como parte essencial ao inicio da abordagem terapêutica. Esta deverá, através da entrevista motivacional, ajudá-los a reconhecer a relação potencial entre o uso da substância e as conseqüências para a saúde.
Vale lembrar que a cocaína inalada absorvida pela mucosa do nariz, é mais comum entre adolescentes e a pesquisa indica que essa via pode transmitir a hepatite C (18).
O crack tornou-se disponível no Brasil no inicio da década de 90. A cocaína e o crack são consumidos por 0,3% da população mundial. No Brasil, cerca de 2% dos estudantes já usou cocaína pelo menos uma vez na vida e 0,2% o crack (5). Apesar da porcentagem parecer pequena, a cocaína é a substância ilícita mais utilizada entre aqueles que procuram atendimento de emergência, sendo responsável por 30 a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas, com uma população jovem, de 15 a 45 anos (14). É importante destacar que entre as crianças e adolescentes em situação de rua o uso experimental (na vida) da cocaína, crack e/ou merla foi citado em todas as capitais brasileiras. E o uso recente de crack foi relatado em 22 capitais. Os maiores índices foram encontrados em São Paulo, Recife, Curitiba e Vitória (entre 15 e 26 %), seguidas de Natal, João Pessoa, Fortaleza, Salvador e Belo Horizonte (entre 8 e 12 %). (19)
As complicações podem estar relacionadas à via de administração ou aos próprios efeitos farmacológicos da droga, variando de broncopneumonias, angina pectoris até quadros psiquiátricos (pânico, depressão, psicoses).
Dado o efeito vasoconstritor da droga, preocupa a possibilidade de isquemia em área cerebrais. De fato, há evidências de déficits neurocognitivos permanentes em pacientes usuários crônicos de estimulantes, assim como alteração do fluxo cerebral evidenciadas em exames de neuroimagem, o que implica na necessidade de uma avaliação neurológica cuidadosa dos usuários (12). Além disso, a adolescência é em geral, o período de aparecimento de muitos transtornos psiquiátricos.
Em trabalho sobre a transição entre vias de administração foi detectado que embora 87% dos jovens brasileiros tenham iniciado cheirando, a transição para vias mais prejudiciais, como fumar crack ou injetar, se deu com maior freqüência entre aqueles que iniciaram o uso mais precocemente (8).

5. Tratar o Adolescente
O tratamento do adolescente deve compreender os vários domínios de sua vida, de forma a englobar a situação familiar, escolar, saúde geral, comportamento sexual de risco, envolvimento em comportamento delinqüente, saúde psiquiátrica e ocupação. “(...) o comportamento do adolescente usuário de substancia psicoativa, não deve ser considerado isoladamente, necessita ser examinado sob um ponto de vista biopsicosocial (...)” (18).
Uma avaliação compreensiva no inicio do tratamento deverá abranger todos estes aspectos, além de focar o histórico do envolvimento com a droga e o estágio motivacional. Existem instrumentos que facilitam a avaliação pelo clínico (22).
No caso da cocaína/crack, o tratamento do adulto tem tido como centro a terapia cognitivo comportamental e a farmacoterapia. Dentro da especificidade do adolescente abordaremos estes dois aspectos nas sessões seguintes. É importante lembrar porém que falta pesquisa de qualidade sobre o tratamento do adolescente que abusa de substância.
Em 1991, Catalano (7) concluiu que algum tratamento é melhor do que nenhum e que nenhum era superior ao outro. Taxas de recaída costumam ser altas. Mesmo os que recaem, entretanto podem melhorar em outras áreas como comportamento geral e desempenho escolar. Frequentemente abusam muitas drogas de uma só vez. Abordagem muito comum é o modelo Minnesota, mas as necessidades únicas do adolescente exigem que o tratamento seja compreensivo e focado em múltiplos domínios. O tratamento deve objetivar o aumento dos fatores de proteção enquanto diminui os de risco. A medicação para transtornos psiquiátricos co-existentes é fundamental.
O uso de drogas ilícitas parece ser, de qualquer forma, menos estável que o uso de álcool e cigarros e aqueles que continuam com a maturidade a usar substâncias ilícitas fazem isso em menor intensidade do que os mais jovens. A respeito do uso e abuso de substancias pelo adolescente as conseqüências são muito mais difíceis de identificar que os fatores de risco. Os fatores de risco provavelmente interagem com o uso da droga, atuando sinergicamente para produzir resultados desfavoráveis. É difícil encontrar evidências para muitos problemas que parecem obviamente conseqüências do uso, como prejuízo educacional ou problemas sociais. No entanto, é sabido que a relação com as drogas é muito mais complicada, predispondo a maior risco de dependência, nas pessoas que iniciaram o uso na adolescência.

3.1 A abordagem motivacional e cognitivo-comportamental
Podemos caracterizar a adolescência como um período de crises. Conseqüência das transformações que trazem em si o caráter vital do desenvolvimento, do amadurecimento, das pressões sociais, da escolha profissional, do aumento das responsabilidades e atribuições. É um período de crise com a percepção da possível emergência de circunstâncias desagradáveis ou problemáticas, que representam ameaça ou perda. As questões emocionais na adolescência se fazem de extrema importância para os jovens já que repercutem direta ou indiretamente na formação da identidade do mesmo. O adolescente vivencia emocionalmente diversos lutos. Ele perde a noção de seu próprio corpo que se modifica, não sendo mais um corpo infantil. Sua relação com os pais se diferencia, já que ele não é mais uma criança, e sua identidade infantil vai se perdendo, fazendo-se buscar uma nova noção de si mesmo.
Ocorrem também as transformações na convivência social. O jovem começa a se relacionar com as “turmas”, exercitando assim os relacionamentos com “outros” do meio extra-familiar.
A união dos grupos faz parte de um aprendizado, quase um “ritual de passagem” entre o espaço protegido do lar e o enfrentamento do mundo. È uma busca de respostas para as suas necessidades humanas básicas, como sentimento de pertencimento, uma maior identidade e auto-estima.
Como em todas as outras esferas da vida, enfrentar uma situação nova desperta medos e receios. Não poderia ser diferente com os jovens. Medo e desejo ocasionados pelas mudanças impostas ou obtidas são uma constante na vida de um adolescente.
As transformações vividas no tempo atual assumem grandes proporções diante do homem moderno, principalmente para os nossos jovens.
Segundo Bauman (2) “estamos mergulhados compulsoriamente numa sociedade que a todo o momento produz um desejo insaciável de consumo”. Vivemos um momento em que tudo é muito efêmero. A felicidade não depende mais da harmonia dos vínculos sociais entre homens, mas sim dos objetos que substituindo estes laços, anunciam o deleite de um prazer total. Na configuração desses objetos podemos incluir as drogas.
Através do uso de drogas muitos adolescentes se eximem da dor pelas perdas e incertezas dessa etapa, tendo a droga aí a função de substituir essa conscientização. Para outros tantos o uso é a expressão de distúrbios depressivos. Associado a isso junta-se o impacto da descoberta pela família do jovem que toma proporções muitas vezes alarmantes, provocando reação de rejeição e exclusão do usuário, o que muitas vezes pode resultar em incentivo ao consumo por parte deste adolescente.
Refletir sobre essas peculiaridades do jovem é essencial para melhor entendimento de suas atitudes diante do tratamento. Atitude esta que fica comprometida, pelo caráter compulsório que muitos desses jovens chegam para tratamento.
É natural que esses pacientes mostrem-se resistentes ao tratamento, desconfiados e temerosos. Como não entendem bem qual o propósito do tratamento é necessário um trabalho motivacional com o jovem e seus responsáveis.
Atualmente, motivação é compreendida como um fenômeno que pode oscilar de tempos em tempos ou de um fato para outro; sendo passível de sofrer influencias (13).
Sabendo-se que muitas vezes o fracasso no tratamento da dependência (adição) é conseqüência da ausência de motivação do paciente para mudanças; torna-se necessário a identificação dos estágios motivacionais - pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção que segundo Miller auxiliarão o clínico no emprego da técnica da Entrevista Motivacional. Técnica esta que tem se mostrado promissora no processo terapêutico com os adolescentes pois permite trabalhar as mudanças junto aos mesmos de uma maneira que o próprio jovem sinta-se parte ativa do processo preservando suas próprias decisões.

3.2 Farmacoterapia: uma possibilidade para o adolescente?
A desintoxicação no adolescente que chega ao hospital geral assim como o tratamento das comorbidades psiquiátricas são assuntos onde a farmacoterapia tem seu lugar estabelecido e é discutida em literatura especifica a cada situação. O tratamento farmacoterápico de manutenção da abstinência de cocaína é assunto ainda carente de evidências mesmo quanto se trata do adulto. Nos últimos anos, o dissulfiram ganhou respeitabilidade a partir de estudos duplo-cego controlados (23). Há também estudos isolados com mirtazapina (24), modafinil (3) e topiramato (11) entre outras substâncias.
A literatura sobre estas medicações no adolescente é muito precária. Em investigação na base Medline dos últimos 10 anos encontramos apenas 4 artigos. Um deles relata o uso de dissulfiram no tratamento do abuso de álcool (17) enquanto outro descreve transplante de fígado após hepatite fulminante induzida por dissulfiram e adolescente. (16). Também escassa é a literatura sobre a mirtazapina em adolescentes.
A vacina da cocaína, pensada por alguns como possibilidade preventiva em adolescentes de alto risco, enfrenta sérias dificuldades éticas (9).
Desta forma, além do tratamento de comorbidades psiquiátricas, o que pode ser de grande valia tanto na prevenção do abuso quanto no aumento da adesão do adolescente ao tratamento, não há evidências que suportem o uso de fármacos especificamente dirigidos ao abuso de cocaína/crack pelo adolescente.

4. Conclusão
Em uma área onde o tratamento do adulto ainda não atingiu, nas pesquisas realizadas, um nível de consenso, torna-se difícil traçar diretrizes para o tratamento do adolescente. De qualquer forma, não há discordância quanto ao fato de que a exposição à cocaína na forma de crack durante a adolescência pode levar a padrões de uso intenso em curto período de tempo, que este uso interrompe uma etapa importantíssima do desenvolvimento humano, e que o tratamento deve ser compreensivo, superpondo-se no caso do adolescente ao conceito de prevenção indicada. A abordagem motivacional deve ser seguida na conduta psicoterápica e a farmacoterapia carece de evidências que a justifiquem enquanto diretriz, específica para a abstinência da cocaína, mas será de grande utilidade no tratamento das comorbidades psiquiátricas que tratadas, aumentam a adesão, melhorando o prognóstico.

Referências:

1- Araujo MR: Seguimento de cinco anos com usuários de crack: evolução dos padrões de consumo, sociodemográficos e de mortalidade. Tese de doutorado, UNIFESP, São Paulo, 2005

2- Bauman, Zygmunt – O mal estar da pós-modernidade. Ed. JZE, 1999-RJ

3- Ballon JS, Feifel D: A systematic review of modafinil: potencial clinical uses and mechanisms of action. J.Clin Psychiatry 67: 554-566, 2006.

4- Bessa, M A – Quando o uso de drogas ocorre junto com outras substâncias.Em: Adolescência e Drogas. Organizado por Pinsky, I & Bessa MA. Editora Contexto, 2004, p.124-149.

5- Carlini, EA, Galduroz, JCP, Noto, AR, Nappo, SA: I Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil. SENAD, São Paulo, 2002

6- Chambers RA, Taylor JR, Potenza MN : Developmental neurocircuitry of motivation in adolescence: A critical period of addiction vulnerability. Am.J.Psychiatry 160: 1041-1052, 2003

7- Catalano RF, Hawkins JD, Wells EA, Miller J & Brewer D: Evaluation of the effectiveness of adolescent drug abuse treatment, asessment of risks for relapse, and promissing approaches for relapse prevention. International Journal of Addictions 25: 1085-1140,1991.

8- Dunn, J & Laranjeira, R.R.: Transitions in the route of cocaine administration-characteristics, direction and associated variables. Addiction 94: 813, 1999

9- Hall W, Carter l: Ethical issues in using a cocaine vaccine to treat and prevent cocaine abuse and dependence. J. Med. Ethics 30: 337-340,2004.

10- Harrison RJ, Connor DF, Nowak C, Melloni Jr RH: Chronic low-dose cocaine treatment during adolescence facilitates aggression in hamsters. Physiology & Behavior 69: 555-562 , 2000

11 - Kampman KM , Pettinati H, Lynch KG, Dackis C, Sparkman T, Weighley C, O´Brien CP: A pilot trial of topiramate for the treatment of cocaine dependence. Drug and Alcohol Dependence 75: 233-240, 2004.

12- Lacks, V. & Julião, A: Transtornos relacionados ao uso de drogas: Avaliação Diagnóstivca e Uso de Instrumentos de Avaliação Psiquiátrica. Em: Silveira, DX & Moreira, FG: Panorama Atual de Drogas e dependências. Atheneu, 2006, p.59.

13-Miller, W.R., Rollnick, S. – Entrevista Motivacional- preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivos. Porto Alegre, Artmed, 2001.

14- Marques, ACPR & Ribeiro, M: Tratamento da dependência de cocaína. Guia Prático sobre uso, abuso e dependência de substâncias psicotrópicas para educadores e profissionais da saúde. Secretaria de Participação e Parceria, 91-99,2006

15- Messas GP & Vallada-Filho HP: O papel da genética na dependência do álcool. Rev.Bras.Psiquiatria 26 (supl I): 54-58,2004.

16- Mohanty SR, La Brecque DR, Mitros FA, Layden TJ: Liver Transplantation for dissulfiram-induced fulminant hepatic failure. J.Clin.Gastroenterol 38:292-295,2004

17- Niederhofer H, Staffen W: Comparison of disulfiram and placebo in treatment of alcohol dependence of adolescents. Drug Alcohol Rev 22: 295-297,2003.

18- Noto, AN, Galduróz, J C, Nappo, SA, Fonseca, AM, Carlini, CMA, Moura, Carlini, EA. I Levantamento Nacional sobre o uso de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua nas 27 Capitais Brasileiras – CEBRID, São Paulo, 2003.

19- Sanjuan, PM, Langenbucher , JW. : Age -limited populations: youth, adolescents and older adults. In: McCrady BS & Epstein EE: Addictions, Oxford University Press, 1999 p477

20- Sutherland I., Shepherd J.P. – Social dimensions of adolescent use. Addiction, 2001.

21- Scwartz RH, Luxenberg MG & Hoffmann NG: “Crack” use by american middle-class adolescent polydrug abusers. The Journal of Pediatrics 118:150-155,1991.

22 - Silva VA & Mattos HF: Os jovens são mais vulneráveis às drogas? Em: Adolescência e Drogas. Organizado por Pinsky, I & Bessa MA. Editora Contexto, 2004, p.31-44.

23- Silva VA & Christo G: Inventário Christo para Serviços de Tratamento de Abuso de Substâncias: CISS. Em: Dependência Química na Adolescência. Organizado por Mattos HF, Editora Companhia de Freud, 2004, p: 292-293.

24- Suh JJ, Pettinati HM, Kampman KM, O’Brien CP: The status of disulfiram: a half of a century later. J.Clin.Psychopharmacol. 26:290-302,2006.

25- Zueco Pérez PL: Mirtazapine en el tratamiento de la dependencia a la cocaine em pacientes con metadona. Actas Esp.Psiquiatr 30:337-342, 2002.

FONTE: ABP. Associação Brasileira de Psiquiatria

Site:
http://www.abpbrasil.org.br/departamentos/coordenadores/coordenador/noticias/?not=135&dep=62

Emergências Psiquiátricas pelo Uso da Cocaína

Emergências Psiquiátricas pelo Uso da Cocaína
Ronaldo Laranjeira
Cláudia Maciel

1. Introdução
A cocaína é a substância psicoativa ilícita que traz maiores problemas à sociedade e ao usuário. É um alcalóide extraído das folhas da planta Erythroxylon coca, planta nativa da região andina e é o único anestésico de ocorrência natural e apresenta potente ação vasconstritora sendo atualmente utilizada em cirurgias oftalmológicas e otorrinolaringológicas devido a sua eficácia e eficiência.
Historicamente a cocaína tem sido usada com diversas finalidades. Os nativos da região andina usavam as folhas de cocaína para diminuir a exaustão e a fome possibilitando o trabalho nas regiões com baixas concentrações de oxigênio. Na Europa, após isolamento e purificação da cocaína no século XIX por Niemann isolou propiciou a utilização da cocaína em medicamentos para o tratamento de diversas patologias com eficácia questionada. Quando a cocaína passa a ser usada com propósitos recreacionais torna-se um problema importante para a sociedade e em 1914, nos EUA, o Harrison Act (lei americana que regulava e taxava a produção, importação, distribuição e uso dos opiáceos) passa a incluir a cocaína na lista dos opiáceos (erroneamente) e inclui passa a ser uma substância de utilização apenas restritas à prescrição médica (Musto, 1991).
Desde a sua proibição em 1914, a utilização da cocaína pela população geral declinou com o aumento crescente da prevalência de uso a partir dos anos 60. Nesta época, as pessoas que utilizavam cocaína eram pessoas com alto poder aquisitivo e a cocaína era considerada uma substância segura, apresentando baixo potencial de abuso e/ou dependência e baixo potencial de letalidade. Entretanto, esse baixo potencial de letalidade inicialmente postulado à cocaína tem relação com a forma comumente usada nas décadas de 60 e 70 (via intranasal). A via intranasal apresenta alteração na taxa de absorção de cocaína em decorrência dos efeitos vasoconstritores da cocaína e, com isso, uma menor absorção e uma menor chance de ocorrência de efeitos agudos adversos. Em um estudo realizado nos EUA, demonstrou-se que as vias de utilização mudaram desde o ressurgimento do uso de cocaína nos anos 60/70. Inicialmente o uso de cocaína era intranasal, sendo substituído pelo uso endovenoso (administrada juntamente ou não com heroína) nos anos 80 e pelo “crack” nos anos 90. Essa mudança no padrão de uso de cocaína pode ser explicada tanto pela questão financeira (o crack tem valor menor que a grama de cocaína em pó), quanto pela noção de “segurança da via utilizada” já que o uso de drogas endovenosas traz consigo uma chance de ocorrência de doenças infecto-contagiosas graves (dentre elas a síndrome de imunodeficiência adquirida – AIDS) e isso parece ter feito com que o uso de cocaína pela via endovenosa tenha sofrido uma redução na prevalência de utilização entre os usuários de cocaína (Pollack, 1991; Dunn, John & Laranjeira, Ronaldo R. 1999 ).
No Brasil, a cocaína é a sétima substância psicoativa mais utilizada na vida pela população brasileira acima de 12 anos, correspondendo a 2,3% da população brasileira. Um grande problema no controle do uso de cocaína/crack refere-se ao preço baixo destas substâncias e a facilidade de se encontrar essas substâncias para o consumo. Após um aumento significativo do consumo de cocaína entre os anos de 1987 – 1997, houve uma estabilização do consumo nos anos de 1997 a 2004 segundo levantamento nacional de consumo de substâncias psicoativas entre estudantes brasileiros (CEBRID, 2002;CEBRID, 2004; Laranjeira R, 1996).

2. Cocaína – aspectos físico químicos
A cocaína é uma substância que pode ser absorvida por qualquer mucosa, através dos pulmões ou injetada pela via endovenosa. A via inalatória é bastante comum, mas o uso do crack tem aumentado a prevalência do uso pela via pulmonar.
O hidrocloreto de cocaína é uma substância hidrofílica e é absorvida pela mucosa (nasal, oral, gengivas, vaginal, anal etc) ou injetada pela via endovenosa. Usualmente é misturado a vários adulterantes (e a presença dos adulterantes pode resultar em risco de morte entre os usuários). A cocaína sob a forma de “crack” é um alcalóide e pode ser consumido fumado isoladamente ou associado à maconha ou tabaco. Há uma certa dificuldade na diferenciação entre as formas “crack” e “freebase”. Ambas apresentam a mesma forma química da cocaína sendo feitas de técnicas diferentes. A forma “freebase” é feita dissolvendo o hidrocloreto de cocaína a água adicionando uma base (amônia, por exemplo) e depois um solvente (como éter) e, desta maneira vários adulterantes solúveis em água são removidos. Em decorrência da alta volatilidade do éter que pode permanecer após a extração do “freebase” há um risco de queimaduras graves. O uso de “freebase” tem diminuído a sua utilização nos EUA enquanto o uso de “crack” tem aumentado significativamente.
O “crack” é feito de um processo mais simples. O hidrocloreto de cocaína é dissolvido na água, misturado a bicarbonato e aquecido. O crack é vendido em pedras que são fumadas sem riscos de ocorrência de queimaduras graves como o “freebase”. O crack é capaz de alcançar a corrente sangüínea com a mesma velocidade que a via endovenosa e alcança a circulação cerebral rapidamente e, conseqüentemente, tem os efeitos subjetivos da cocaína mais rápidos quando comparados com outras vias de utilização.
A cocaína pela via inalatória produz um quadro de euforia de 3 a 5 minutos com pico entre 30 e 60 minutos. A quantidade de cocaína que é absorvida pela mucosa nasal é limitada em decorrência das propriedades vasoconstritivas da cocaína e estima-se que a biodisponibilidade da cocaína inalada está entre 20 e 60% da quantidade inalada.
A cocaína é metabolizada principalmente através da ação da butirilcolinesterase, antigamente conhecida como colinesterase plasmática ou pseudocolinesterase sendo a maior forma de detoxificação da cocaína no plasma. A via oxidativa também pode ocorrer na metabolização da cocaína, mas em pequenas concentrações. A cocaína pode estar presente na urina de adultos por 24 – 36 horas após uso dependendo da forma de utilização e da atividade enzimática. A butirilcolinesterase encontra-se com a atividade diminuída nas crianças, fetos, idosos, hepatopatias e grávidas. Os metabólitos inativos produzidos pela BChE são éster metil ecgnonina e ácido benzóico e são rapidamente excretados pelos rins. Estudos animais demonstram que a introdução de BChE em cobaias protegem os animais dos efeitos letais da cocaína incluindo a hipertensão arterial e arritmias (Gawin, 1988; Mattes et all 1997). A meia vida da cocaína no sangue é de aproximadamente 1 hora com menos de 5% da cocaína sendo eliminada sem mudanças na urina. A maior parte da excreção da cocaína e seus metabólitos ocorrem nas primeiras 24 horas após a administração, independente da via de administração. Os dois maiores metabólitos da cocaína são benzoilecgonina e éster metil – ecgonina.

3. Neurotransmissores associados ao uso de cocaína
A cocaína tem seus efeitos clínicos secundários às ações em neurotransmissores cerebrais, principalmente a dopamina, serotonina e noradrenalina. As catecolaminas (dopamina e noradrenalina) derivam da tirosina e a serotonina deriva do triptofano e são liberadas das vesículas de armazenamento através da despolarização ativando os receptores pré e pós sinápticos. Transportadores de membrana pré sinápticos para serotonina, noradrenalina e dopamina controlam as ações sinápticas das monoaminas pela retirada das catecolaminas da fenda sináptica. Drogas que modulam a atividade dos transportadores de monoaminas produzem efeitos comportamentais importantes.
A realização de um maior número de estudos neurobiológicos sobre a ação da cocaína no cérebro vai gerar um maior entendimento dos efeitos da cocaína no corpo humano bem como propiciar o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes no tratamento dos usuários de cocaína.

Complicações Agudas Secundárias ao Uso de Cocaína
Os problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas vão muitos além dos efeitos sobre o individuo que consome a substância. Os efeitos podem ser sentidos em todos os segmentos da sociedade. Doenças físicas e/ou mentais incapacitantes, violência (assaltos, suicídio, homicídio, tráfico de drogas), mortes precoces são alguns dos efeitos na sociedade. Os problemas sociais advindos do uso de substâncias ilícitas é maior que os problemas sociais resultantes do uso de substâncias licitas (álcool, tabaco). Em primeiro lugar porque a produção ilegal, a distribuição e a posse de substâncias psicoativas ilícitas constitui crime. Depois porque o uso de drogas aumenta a criminalidade com aumento da violência social (tráfico, homicídio, suicídio, guerrilhas urbanas), posse ilegal de armas, corrupção de vários níveis e formas etc. Esses graves problemas resultam em custos financeiros e sociais para toda a sociedade com piora da qualidade de vida (M. Frischer, 1994).
A proporção de usuários de substâncias psicoativas ilícitas que terão sérios problemas de saúde e problemas sociais não é sabido. Entretanto, os problemas na esfera da saúde pública são bastante freqüentes entre os usuários de cocaína. As substâncias psicoativas mais freqüentemente associadas a mortes são: álcool, tabaco, cocaína, derivados anfetamínicos e opiáceos. O uso da cocaína está associado freqüentemente ao uso de outras substâncias psicoativas tais como álcool, benzodiazepínicos, anfetaminas, heroína, maconha e os efeitos desta associação podem ser graves e fatais. Os problemas clínicos decorrentes do uso de cocaína são variados e incluem desde casos de desnutrição, exaustão física, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares e doenças do sistema nervoso central e o número de pacientes usuários de cocaína em serviços de urgência tem aumentado significativamente e as causas mais freqüentes incluem trauma (acidentes, homicídios, suicídio). Quadros de reações agudas adversas ao uso de cocaína são extremamente freqüentes e variadas. O termo “overdose” é assim definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS):
“O uso de qualquer substância ilícita, em qualquer quantidade que cause efeitos agudos físicos e/ou mentais adversos”. (World Health Organization, 1994)
O termo “overdose” popularmente está relacionado a mortes resultantes do uso de substâncias psicoativas. Assim, a OMS propõe que o termo “overdose” seja substituído pelos efeitos agudos adversos ao uso de substâncias psicoativas. As reações agudas ao uso da cocaína mais freqüentemente associadas ao sistema cardiovascular incluem hipertensão arterial sistêmica (HAS), infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) dissecção de aorta, vasoespasmo e cardiomiopatia (Kloner RA, 1992; Lange RA, 2001) enquanto que no sistema nervoso central os principais efeitos agudos são: enfarte cerebral, convulsões, hemorragias cerebrais, enxaqueca, vasculites e casos transitórios em sua maioria, de cegueira aguda (Gay, 1982; CM Sauer 1991).
Vários efeitos agudos secundários ao uso de cocaína são graves e são responsáveis pela mortalidade excessiva secundária ao uso de cocaína bem como um aumento da procura de serviços de urgência em decorrência da gravidade dos quadros. Detalharemos a seguir os efeitos adversos mais comumente encontrados nos serviços psiquiátricos de emergência.

4. Intoxicação Aguda por Cocaína
O uso de cocaína pode gerar graves conseqüências mesmo em pessoas que só utilizaram a substância uma única vez e isso se deve às complicações secundárias aos efeitos diretos e indiretos da toxicidade da cocaína. Efeitos adversos graves secundários a utilização de cocaína como anestésico tópico são raros, embora em alguns casos, fatais. Muitos dos efeitos adversos secundários ao uso da cocaína são baseados em relato de casos e a freqüência destes acontecimentos é difícil de ser determinada, inclusive a relação de causa e efeito. A via de administração da cocaína afeta o tipo de complicações que vão se desenvolver e é importante salientar que as mudanças de via de utilização de cocaína nas últimas décadas também alteram a freqüência e o tipo de complicações esperadas pelo uso de cocaína (Rubin 1992; Derlet 1989; Gawin, 1988).
A grande parte dos pacientes que comparecem aos serviços de urgência apresenta sintomas psiquiátricos (tais como alteração na sensopercepção, alteração na atividade, risco de suicídio e agitação psicomotora grave, por exemplo), cardíacos (dor torácica, crises hipertensivas, palpitações ou sincope) ou neurológicos (convulsões). Entretanto, é difícil precisar o grau de toxicidade da cocaína uma vez que a pureza da droga não pode ser determinada adequadamente, nem a dose de cocaína utilizada bem como o uso de outras substâncias em concomitância com o uso da cocaína.

Efeitos psiquiátricos secundários ao uso da cocaína
Efeitos psiquiátricos secundários ao uso de cocaína são comuns e freqüentemente são causa de visitas a serviços de urgência e emergência em hospitais clínicos e/ou psiquiátricos. Os efeitos da cocaína podem ser primários (quadros de delirium, agitação psicomotora, agressividade) ou comórbidos (o uso da cocaína exacerba sintomas psiquiátricos já existentes, como no caso de sintomas psicóticos ou maníacos). Esse é um ponto crucial na avaliação do paciente em serviços de emergência uma vez que os sintomas apresentados (alucinações, delírios, taquilalia, agitação psicomotora) podem fazer parte do conjunto de sintomas de intoxicação por cocaína, mas também podem ser sintomas primários de quadros psicóticos e, em muitos casos, o não reconhecimento adequado da comorbidade gera uma piora da evolução dos transtornos mentais com piora da qualidade de vida do paciente e seus familiares, maior ônus com internações mais freqüentes e mais prolongadas e também maior índice de recaídas e sintomas de violência. O paciente com quadro de intoxicação por cocaína geralmente chega ao serviço de urgência/emergência apresentando-se com quadro de ansiedade, euforia, desorientação e em muitos casos, agitação psicomotora, violência e suicídio.
Quadros de agitação psicomotora podem ser descritos por uma constelação de comportamentos não relacionados que constituem um risco importante à segurança do próprio paciente e de terceiros bem como dificulta o processo de cuidados ao paciente. Representa um estado desorganizado, sem objetivos claros, de atividade psicomotora e pode ser resultante de várias situações clínicas como quadros de delirium, demência, intoxicação e/ou abstinência de substâncias psicoativas, esquizofrenia, quadros delirantes, transtorno bipolar, etc. Devido ao grande número de entidades clínicas que podem cursar com quadros de agitação psicomotora, é um dos sintomas mais freqüentes em serviços de urgência e/ou emergência (Lindenmayer, 2000). Estudos neurobiológicos evidenciaram que, em ratos em estados hiperdopaminérgicos, quadros de agitação psicomotora foram observados quando estes eram expostos a situações novas (Xiaoxi, 2001; Deborah, 2003). Entretanto, a serotonina também está envolvida no processo de agitação psicomotora sendo evidenciado através de ansiedade extrema e através do aumento da resposta adrenomedular aos efeitos externos (Tjurmina, 2002). Os pacientes intoxicados por cocaína apresentam-se inicialmente eufóricos e hiperalertas. O quadro pode evoluir para agitação psicomotora grave, quadros paranóicos, convulsões, quadros psicóticos, coma e esse quadro podem aumentar as chances de ocorrência de suicídio, agressividade e acidentes significativos (Gawin, 1988). Os pacientes apresentam-se incrivelmente fortes e com diminuição da sensibilidade aparente a dor e isso pode ser um fator de risco para acidentes com o próprio paciente, com acompanhantes e os profissionais de saúde (Joann, 1998).
A despeito da necessidade de um diagnóstico adequado das possíveis causas do quadro de agitação (uso de substâncias psicoativas, transtornos psiquiátricos primários ou ambas as causas), é sabido que, nos serviços de urgência, em muitos casos a escolha da medicação sedativa para o controle do quadro é feita baseada no padrão de segurança da medicação, bem como na eficácia e eficiência do controle dos quadros de agitação. Assim, nestes casos, o uso de benzodiazepínicos parece ser uma das medicações mais adequadas, uma vez que os riscos associados ao uso de neurolépticos em pacientes que fizeram uso de substâncias psicoativas, no caso a cocaína, poderia gerar quadros de síndrome serotoninérgica (no caso dos atípicos), alterações na despolarização cardíaca, impregnação neuroléptica importante, etc. (Whelan, 2004).
Quadros de delirium também podem ocorrer nos pacientes intoxicados por cocaína. A apresentação clínica em geral é de um paciente com quadro de agitação psicomotora, desorientação temporal e espacial e alteração no nível de consciência do paciente. Este quadro não parece estar relacionado com a dose de cocaína usada, o nível sanguineo de cocaína nem tampouco a via de utilização e a freqüência do uso. Se não tratado adequadamente, este quadro confusional pode ser manter por alguns dias e, em alguns casos, evoluir para óbito. Este quadro pode surgir em decorrência do uso de cocaína bem como na abstinência da mesma. O tratamento para este quadro deve ser instituído o mais brevemente possível e inclui cuidados com a ventilação pulmonar, checagem para possíveis traumas (que podem complicar o quadro clínico), avaliação de déficits neurológicos, dados vitais, reflexo pupilar. A medicação deve ser fornecida ao paciente com o objetivo de minimizar os efeitos deletérios da agitação psicomotora e, deve ser preferencialmente feita pela via parenteral e a medicação de escolha recai nos benzodiazepínicos uma vez que tem eficácia e eficiência no controle da agitação e apresenta diminuição da chance de ocorrência de convulsões. A avaliação bioquímica do paciente deve ser feita o mais brevemente possível (Wetli, 1985).
Sintomas psiquiátricos já existentes podem ser exacerbados entre pacientes intoxicados por cocaína. Quadros comórbidos têm sido descritos freqüentemente e o diagnóstico diferencial nem sempre é fácil de ser realizado. Além disso, a presença de comorbidade psiquiátrica em um paciente portador de transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas é o principal preditor de resultados no tratamento sendo que, quanto maior a incidência de sintomas psiquiátricos, pior os resultados do tratamento para transtornos relacionados ao uso de substâncias. O contrário também é valido, já que a presença de uso de substâncias psicoativas entre a população de pacientes psiquiátricos prediz uma piora na evolução do mesmo estando relacionado a um aumento do número de admissões psiquiátricas, violência, agressividade, suicídio e aumento no custo do tratamento(Pepper, 1984; Drake, 1998; Kessler, 1994).
O uso de cocaína isoladamente não é prática comum. O uso de outras substâncias psicoativas pode ser responsável pelo agravamento dos quadros vistos em serviços de urgência/emergência. A associação entre uso de álcool e cocaína é bastante comum e os efeitos bem estabelecidos com aumento dos níveis plasmáticos de cocaína e norcocaína, redução da concentração de benzoilecgonina e indução da síntese de cocaetileno. O cocaetileno é um metabólito ativo formado na presença do etanol (FARRÈ, 1993) e tem ações bem estabelecidas no sistema cardiovascular.
A associação entre anfetamina e cocaína exacerba os sintomas simpaticomiméticos uma vez que ambas as substâncias são estimulantes do sistema nervoso central e esta associação potencializa os riscos de convulsão com aumento significativo de mortes entre os usuários.
A cocaína e a nicotina são substâncias psicoativas bastante utilizadas e ambas são estimulantes do sistema nervoso central. Muitos usuários adicionam o crack ao cigarro de nicotina para a sua utilização. Semelhante à cocaína, a nicotina também aumenta a freqüência cardíaca, pressão arterial através da ação em dopamina bem como sensações subjetivas de bem estar, “alto” mas, ao contrário da cocaína, a nicotina tem uma relação de dose na sensação de sintomas desagradáveis (Hendrée, 1999).
O uso de benzodiazepínicos por usuários de cocaína pode ser tanto secundário a prescrição médica quanto abuso e dados sobre estes padrões de uso não são comuns. Essa medicação é bastante usada pelos profissionais de saúde no tratamento de portadores de sofrimento mental e usuários de substâncias psicoativas. Na população de portadores de sofrimento mental, o uso de benzodiazepínicos não constituiu quadros de abuso. Entretanto, na população de usuários de substâncias psicoativas, a prescrição de benzodiazepínico pode se constituir em quadros de abuso. Os efeitos desta associação não constituem problemas clínicos importantes, já que o uso clínico dessa associação existe para o tratamento de várias conseqüências do uso de cocaína (Brunette, 2003).
No Brasil o uso de heroína pode ser considerado exceção (Carlini 2001). Entretanto, na Europa e nos EUA constitui de um grave problema de saúde pública. Nestes países, é comum a associação de heroína e cocaína endovenosa (speedball) e o seu uso vem crescendo a cada ano. Observações clínicas têm demonstrado que o uso de speedball tem risco aumentado para ocorrência de infecção por HIV bem como uma maior incidência de sintomas psiquiátricos. Empiricamente, a associação destas substâncias parece estar ligada à ação nos recepotores mu (Battjes 1994; Ettenberg, 1982; Brooner, 1997).

5. Conclusão
Os efeitos psiquiátricos do uso de cocaína são variados e um número grande de pacientes são encaminhados aos serviços de urgência e/ou emergência em virtude do quadro psiquiátrico decorrente de intoxicação ou abstinência. Infelizmente, nem todos os serviços de urgência do país contam com psiquiatras em seus quadros para o atendimento de quadros de emergência e os demais profissionais médicos não são, na grande maioria, treinados adequadamente manejo deste grupo de pacientes. Mesmo em serviços de urgência, o não reconhecimento de comorbidade entre doença psiquiátrica e uso de substância psicoativa é comum sendo necessário treinamentos para as equipes de atendimento de serviços de urgência (psiquiátrica ou não) para o reconhecimento, manejo clínico e farmacológico desta população (uso de substâncias psicoativas e doenças psiquiátricas) com a finalidade de se obter melhores resultados entre no tratamento e reinserção social desta significativa parcela da população.

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FONTE: ABP. Associação Brasileira de Psiquiatria

Site:
http://www.abpbrasil.org.br/departamentos/coordenadores/coordenador/noticias/?not=137&dep=62